Foto: Marcos Michael/JC Imagem |
Os problemas de seca prolongada registrados no
semiárido brasileiro devem se agravar ainda mais nos próximos anos por causa
das mudanças climáticas globais. Por isso, é preciso executar ações urgentes de
adaptação e mitigação desses impactos e repensar os tipos de atividades
econômicas que podem ser desenvolvidas na região, avaliam pesquisadores durante
a 1ª Conclima (Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais), que ocorre
até esta sexta-feira (13), em São Paulo.
De acordo com dados do Cenad (Centro Nacional
de Gerenciamento de Riscos e Desastres), só nos últimos dois anos foram
registrados 1.466 alertas de municípios no semiárido que entraram em estado de
emergência ou de calamidade pública em razão de seca e estiagem. Esses são os
desastres naturais mais recorrentes no Brasil, segundo o órgão.
O Primeiro Relatório de Avaliação Nacional do
PBMC (Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas), que foi divulgado no dia de
abertura da Conclima, estima que esses eventos extremos aumentem principalmente
nos biomas Amazônia, Cerrado e Caatinga, e que as mudanças devem se acentuar a
partir da metade e até o fim do século 21. Dessa forma, o semiárido sofrerá
ainda mais no futuro com o problema da escassez de água que enfrenta hoje,
alertaram os pesquisadores.
"Se hoje já vemos que a situação é grave,
os modelos de cenários futuros das mudanças climáticas no Brasil indicam que o
problema será ainda pior. Por isso, todas as ações de adaptação e mitigação
pensadas para ser desenvolvidas ao longo dos próximos anos, na verdade, têm de
ser realizadas agora", disse Marcos Airton de Sousa Freitas, especialista
em recursos hídricos e técnico da ANA (Agência Nacional de Águas).
Segundo o pesquisador, o semiárido - que
abrange Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba,
Ceará, Piauí e o norte de Minas Gerais - vive hoje o segundo ano do período de
seca, iniciado em 2011, que pode se prolongar por um tempo indefinido.
Um estudo do órgão, com base em dados de vazão
de bacias hidrológicas da região, apontou que a duração média dos períodos de
seca no semiárido é de 4,5 anos. Estados como o Ceará, no entanto, já
enfrentaram secas com duração de quase nove anos, seguidos por longos períodos
nos quais choveu abaixo da média estimada.
De acordo com Freitas, a capacidade média dos
principais reservatórios da região - com volume acima de 10 milhões de metros
cúbicos de água e capacidade de abastecer os principais municípios por até três
anos - está atualmente na faixa de 40%. E a tendência até o fim deste ano é de
esvaziarem cada vez mais.
"Caso não haja um aporte considerável de
água nesses grandes reservatórios em 2013, poderemos ter uma transição do
problema de seca que se observa hoje no semiárido, mais rural, para uma 'seca
urbana' - que atingiria a população de cidades abastecidas por meio de adutoras
desses sistemas de reservatórios", alertou Freitas.
Ações de adaptação
Uma das ações de adaptação que começou a ser
implementada no semiárido nos últimos anos e que, de acordo com os
pesquisadores, contribuiu para diminuir sensivelmente a vulnerabilidade do
acesso à água, principalmente da população rural difusa, foi o Programa Um
Milhão de Cisternas.
Lançado em 2003 pela Articulação Semiárido
Brasileiro, rede formada por mais de mil ONGs (organizações não governamentais)
que atuam na gestão e no desenvolvimento de políticas de convivência com a
região semiárida, o programa visa implementar um sistema nas comunidades rurais
da região por meio do qual a água das chuvas é capturada por calhas, instaladas
nos telhados das casas, e armazenada em cisternas cobertas e semienterradas. As
cisternas são construídas com placas de cimento pré-moldadas, feitas pela
própria comunidade, e têm capacidade de armazenar até 16 mil litros de água.
O programa tem contribuído para o
aproveitamento da água da chuva em locais onde chove até 600 milímetros por ano
- comparável ao volume das chuvas na Europa - que evaporam e são perdidos
rapidamente sem um mecanismo que os represe, avaliaram os pesquisadores.
"Mesmo com a seca extrema na região nos
últimos dois anos, observamos que a água para o consumo da população rural
difusa tem sido garantida pelo programa, que já implantou cerca de 500 mil
cisternas e é uma ação política de adaptação a eventos climáticos extremos. Com
programas sociais, como o Bolsa Família, o programa Um Milhão de Cisternas tem
contribuído para atenuar os impactos negativos causados pelas secas prolongadas
na região", afirmou Saulo Rodrigues Filho, professor da UnB (Universidade
de Brasília).
Como a água tende a ser um recurso natural
cada vez mais raro no semiárido nos próximos anos, Rodrigues defendeu a
necessidade de repensar os tipos de atividades econômicas mais indicadas para a
região.
"Talvez a agricultura não seja a
atividade mais sustentável para o semiárido e há evidências de que é preciso
diversificar as atividades produtivas na região, não dependendo apenas da
agricultura familiar, que já enfrenta problemas de perda de mão de obra, uma
vez que o aumento dos níveis de educação leva os jovens da região a se deslocar
do campo para a cidade", disse Rodrigues.
"Por meio de políticas de geração de
energia mais sustentáveis, como a solar e a eólica, e de fomento a atividades
como o artesanato e o turismo, é possível contribuir para aumentar a
resiliência dessas populações a secas e estiagens agudas", afirmou.
Outras medidas necessárias, apontada por
Freitas, são de realocação de água entre os setores econômicos que utilizam o
recurso e seleção de culturas agrícolas mais resistentes à escassez de água
enfrentada na região.
"Há culturas no semiárido, como capim
para alimentação de gado, que dependem de irrigação por aspersão. Não faz
sentido ter esse tipo de cultura que demanda muito água em uma região que
sofrerá muito os impactos das mudanças climáticas", afirmou Freitas.
Transposição do Rio São Francisco
O pesquisador também defendeu que o projeto de
transposição do Rio São Francisco tornou-se muito mais necessário agora, tendo
em vista que a escassez de água deverá ser um problema cada vez maior no
semiárido nas próximas décadas, e é fundamental para complementar as ações
desenvolvidas na região para atenuar o risco de desabastecimento de água.
Alvo de críticas e previsto para ser concluído
em 2015, o projeto prevê que as águas do Rio São Francisco cheguem às bacias do
Rio Jaguaribe, que abastece o Ceará, e do Rio Piranhas-Açu, que abastece o Rio
Grande do Norte e a Paraíba.
De acordo com um estudo realizado pela ANA,
com financiamento do Banco Mundial e participação de pesquisadores da
Universidade Federal do Ceará, entre outras instituições, a disponibilidade
hídrica dessas duas bacias deve diminuir sensivelmente nos próximos anos,
contribuindo para agravar ainda mais a deficiência hídrica do semiárido.
"A transposição do Rio Francisco
tornou-se muito mais necessária e deveria ser acelerada porque contribuiria
para minimizar o problema do déficit de água no semiárido agora, que deve
piorar com a previsão de diminuição da disponibilidade hídrica nas bacias do
Rio Jaguaribe e do Rio Piranhas-Açu", disse Freitas.
O Primeiro Relatório de Avaliação Nacional do
PBMC, no entanto, indica que a vazão do Rio São Francisco deve diminuir em até
30% até o fim do século, o que colocaria o projeto de transposição sob ameaça.
Freitas, contudo, ponderou que 70% do volume
de água do Rio São Francisco vem de bacias da região Sudeste, para as quais os
modelos climáticos preveem aumento da vazão nas próximas décadas. Além disso,
de acordo com ele, o volume total previsto para ser transposto para as bacias
do Rio Jaguaribe e do Rio Piranhas-Açu corresponde a apenas 2% da vazão média
da bacia do Rio São Francisco.
"É uma situação completamente diferente
do caso do Sistema Cantareira, por exemplo, no qual praticamente 90% da água
dos rios Piracicaba, Jundiaí e Capivari são transpostas para abastecer a região
metropolitana de São Paulo", comparou. "Pode-se argumentar sobre a
questão de custos da transposição do Rio São Francisco. Mas, em termos de
necessidade de uso da água, o projeto reforçará a operação dos sistemas de
reservatórios existentes no semiárido."
De acordo com o pesquisador, a água é
distribuída de forma desigual no território brasileiro. Enquanto 48% do total
do volume de chuvas que cai na Amazônia é escoado pela Bacia Amazônica, segundo
Freitas, no semiárido apenas em média 7% do volume de água precipitada na
região durante três a quatro meses chegam às bacias do Rio Jaguaribe e do Rio
Piranhas-Açu. Além disso, grande parte desse volume de água é perdido pela
evaporação. "Por isso, temos necessidade de armazenar essa água restante
para os meses nos quais não haverá disponibilidade", concluiu.
Fonte: UOL, 13/09/2013
Informações do Nordeste.com
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