FLORESTA E CUSTÓDIA (PE) - Alvo de muita polêmica, idealizada
nos tempos do Império (o primeiro projeto data de 1847), a transposição do Rio
São Francisco, em implantação desde 2007, lembra hoje uma quilométrica
passarela de retalhos na qual faltam costura e pedaços de tecido. Aguardada por
quatro estados do Nordeste que amargam a maior seca dos últimos 40 anos, aquela
que seria a rendição de 12 milhões de sertanejos não passa de um conjunto de
canais desconectados, dutos enferrujados com ferros retorcidos e estação
elevatória que parece um fantasma de concreto. Às margens da BR-316, no
município de Floresta, a 439 quilômetros de Recife, duas colunas gigantescas
servem de suporte para nada.
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Hans von ManteuffelHans von Manteuffel |
A obra ainda não conseguiu levar uma gota de água a lugar
algum, o que vem despertando revolta da população e apreensão nos estados que
seriam beneficiados. Com um custo inicialmente estimado em R$ 4,5 bilhões, a
transposição agora está orçada em R$ 8,2 bilhões. A previsão de entrar em
funcionamento em 2010 não pôde ser concretizada, e o ministro da Integração
Nacional, Fernando Bezerra Coelho, promete entregá-la em 2015. O empreendimento
tem só 43% concluídos, o mesmo índice observado em 2012.
Na última semana, O GLOBO percorreu três de seus canteiros
de obras, onde foram vistos apenas quatro trabalhadores. Em Custódia, a 340
quilômetros de Recife, havia um amontoado de britas e rochas dinamitadas. Em
Floresta, onde funcionará um dos pontos de captação, há gigantescas estruturas
sem utilidade. Há canais incompletos ou interrompidos, cujas placas, sem água,
começam a apresentar rachaduras devido ao sol. Os canteiros de obras estão abandonados.
Só dois caminhões foram vistos operando.
Obra já teve 9 mil operários
O projeto chegou a ter 57 contratos, cerca de 90 empresas
operando e 9 mil operários em ação. Um bom termômetro da paralisação é a
comerciante Eliane Maria da Silva, de 39 anos, ex-trabalhadora rural que montou
um restaurante e vendia 400 refeições diárias a operários em Floresta.
— Foram dez meses de muita luta, mas entrava dinheiro.
Agora, tem dia que só aparecem três clientes — lamenta Eliane, que entregou o
cartão do Bolsa Família quando viu o negócio prosperar e tem vergonha de se
cadastrar de novo.
O Ministério da Integração Nacional diz que, para cada real
investido na transposição, dois são colocados em outras obras hídricas no
Nordeste. Mas Rio Grande do Norte, Pernambuco e Ceará começam a rever seus
planos porque têm adutoras erguidas nos eixos da transposição que nunca
funcionaram: o Eixo Norte do projeto de transposição deverá captar água em
Pernambuco e levá-la por um canal de 400 quilômetros até Ceará, Paraíba e Rio
Grande do Norte. O Eixo Leste, com 222 quilômetros, deverá abastecer Pernambuco
e parte da Paraíba.
De olho na água da transposição, os estados começaram a
implantar adutoras com ajuda da União. Mas enfrentam problemas graves, como o
Rio Grande do Norte, que está com a adutora do Alto Oeste praticamente
concluída, mas correndo o risco de ficar sem função. A obra consumiu R$ 35
milhões. Já deveria estar captando água no Eixo Norte, que desaguaria em um
outro açude, o Pau dos Ferros. Sem a transposição, o reservatório está à beira
do colapso. Semana passada, só acumulava 16% de sua capacidade. No estado, 144
municípios estão em estado de emergência devido à seca.
Em Pernambuco, foi licitada a construção da adutora do
agreste, que deveria captar água no Eixo Leste e levá-la para uma das regiões
mais castigadas pela seca. Com investimento previsto de R$ 2,3 bilhões, a obra
deverá ter 1.200 quilômetros de extensão e beneficiar cerca de 60 municípios
— As licitações estão sendo realizadas, e as estações de
tratamento já existem. Será uma obra grande, que deverá ficar pronta em um ano
e meio, antes da conclusão da transposição — reclama o governador Eduardo
Campos (PSB).
Para que a adutora não vire um elefante branco, o governo
estadual estuda perfurar 26 poços em outra bacia para captar água, diz o
secretário de Recursos Hídricos de Pernambuco, José Almir Cirilo:
— O maior problema da transposição é no coração do sistema.
A desistência de empreiteiras atingiu duas estações elevatórias.
— Os canais da transposição não possuem emendas e ninguém
pode usá-los. A obra se transformou em uma bagaceira, e, do jeito que vem sendo
executada, não serve para nada — resume o secretário de governo de uma das
cidades prejudicadas em Pernambuco. Ele prefere o anonimato.
Enquanto isso, uma lâmina de meio centímetro de água no
canal próximo à casa de Eliane, servia só para matar a sede de pássaros e
cabritos.
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