Em coletiva nesta terça-feira (17), foram expostos os
principais objetos das ações
Motoristas e cobradores da Região Metropolitana do Recife
(RMR) já têm o que comemorar. O Ministério Público do Trabalho (MPT) em
Pernambuco anunciou, na manhã desta terça-feira (17), o ajuizamento de Ações
Civis Públicas (ACP) contra as empresas responsáveis pelo transporte coletivo
da região. O primeiro bloco de ações, que colocou sete empresas na justiça,
tomou como base pesquisa solicitada pelo MPT e relatório do Instituto Nacional
do Seguro Social (INSS).
Ainda em 2012, o MPT propôs às empresas do setor e ao
Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros no Estado de Pernambuco
(Urbana-PE) a assinatura de Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para regularizar
as condições de trabalho da categoria, tendo em vista o elevado número de
denúncias recebidas pelo órgão em face das empresas. No mesmo período, o MPT
também emitiu recomendação ao Grande Recife Consórcio, que gerencia o sistema
de coletivos da RMR, para propor que fossem incluídos no edital de licitação,
aberto para a contratação dos serviços de transporte público, obrigações quanto
à jornada e ao meio ambiente de trabalho. Mesmo após uma série de tratativas
com o sindicato patronal e o MPT, no intuito de ajustar as cláusulas do TAC, os
representantes das empresas se negaram a firmar acordo. Diante da
impossibilidade de acerto, não restou alternativa ao MPT senão o ajuizamento
das ACP's.
Tanto o termo quanto as ações foram baseadas em pesquisa
solicitada pelo órgão, que analisava as condições e o meio ambiente de trabalho
dentro dos coletivos. O estudo inicial, feito entre maio e junho de 2012, para
orientar as cláusulas do TAC, foi feito com apenas cinco empresas do setor. Em
abril deste ano, antes de protocolar as ações na justiça, o órgão ministerial
solicitou a realização de novas pesquisas, desta vez com todas as empresas. Nos
estudos, foram analisados fatores biológicos, químicos, físicos e ergonômicos,
tais como calor, poeira, ruído e vibração a que são expostos motoristas e
cobradores dentro dos veículos. A análise foi realizada pelo Laboratório de
Segurança e Higiene do Trabalho da Universidade de Pernambuco (UPE), sob tutela
do professor Béda Barkomkebas, e pelo Laboratório de Ergonomia e Design
Universal da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), através da professora
Laura Martins.
Para os procuradores do Trabalho Adriana Freitas Gondim,
Leonardo Osório Mendonça e Vanessa Patriota da Fonseca, os estudos feitos pelas
universidades ajudaram a corroborar a terrível situação que já se apresentava
pelas denúncias contra as empresas. Eles esperam ajuizar as demais ações ainda
no mês de setembro.
As ações
As ACP's já protocoladas na justiça do Trabalho contra sete
empresas do setor pedem, por liminar, a reparação imediata das ilicitudes
relacionadas à jornadas de trabalho de motoristas e cobradores e, em
definitivo, as mudanças estruturais dos coletivos. Em todas as ações, o Grande
Recife Consórcio de Transporte também aparece como réu, uma vez considerada a
responsabilidade do consórcio que, segundo as investigações do MPT, tinha
conhecimento dos ilícitos praticados pelas empresas. “ O Grande Recife é o
gestor do sistema e tem conhecimento das jornadas. Os dados constam no sistema
de bilhetagem, dados esses que nos foram passados pelo próprio consórcio. Em
alguns relatórios foram constadas jornadas de até 18h. Eles têm conhecimento e,
portanto, responsabilidade”, disse Vanessa.
O órgão pede que as empresas fiquem obrigadas, entre outras
coisas, a regularizar as jornadas dos funcionários, não excedendo as oito horas
diárias e 44 semanais; remunerar adequadamente o trabalho extraordinário, que
não pode passar do limite diário de 10 horas; conceder intervalos inter e intrajornada,
mantendo o registro dos horários reais cumpridos pelos empregados.
Quando aos aspectos ergonômicos dos veículos, as empresas
devem integrar à frota somente ônibus que possuam ar-condicionado, motor
localizado na parte traseira do veículo, câmbio automático e direção
hidráulica, bancos ergonômicos, cintos de segurança com três pontos de
ancoragem e porta objetos. Nos terminais devem ser disponibilizados água
potável em condições de higiene e limpeza, instalações sanitárias separadas por
sexo e destinadas exclusivamente aos empregados do setor de transporte, além de
locais apropriados para a realização de refeições, adequadamente dimensionadas
tendo em vista o número total de funcionários.
Por cláusula descumprida e/ou trabalhador prejudicado, o
valor da penalidade pleiteada varia de R$ 30 mil a R$ 45 mil mensais, a
depender do porte da empresa – do tamanho da frota. Ao Grande Recife cabe,
principalmente, a fiscalização do que pede o órgão ministerial. Caso não cumpra
as obrigações, também fica sujeito ao pagamento de multa.
O MPT também requer a condenação das empresas ao pagamento
de indenização a título de dano moral coletivo. “É preciso promover uma mudança
cultural no setor, no sentido de se buscar respeitar a dignidade dos
trabalhadores. Com as atuais condições de trabalho os cobradores e motoristas
estão adoecendo. A população está sofrendo as consequências e a Previdência
Social arca com os custos financeiros”, disse em coletiva a procuradora do
Trabalho Vanessa Patriota.
O montante a ser pago por dano moral também deve levar em
conta a dimensão da frota. As importâncias variam de R$ 500 mil a R$ 1,3
milhão. Todos os valores devem ser revertidos ao Fundo de Amparo ao
Trabalhador.
A pesquisa
De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores em Transportes
Urbanos de Passageiros, somente no Grande Recife, existem cerca de 10 mil
motoristas de ônibus em atividade. A partir de dados do INSS, que registram,
nos últimos cinco anos, cerca de cinco mil afastamentos no setor, pode-se ter
uma ideia das consequências de uma ambiente de trabalho longe dos padrões de
saúde e segurança. É o que diz o professor Beda Barkomkebas em relatório da
última pesquisa divulgada. É “possível verificar a existência de um ambiente
propício ao surgimento de doenças, ficando evidente a necessidade da criação de
medidas de controle para esses postos com o objetivo de minimizar os riscos de
desenvolvimento de doenças ocupacionais”, afirma.
No estudo feito em abril deste ano pelas universidades,
foram realizadas medições em 19 empresas, sendo 18 ligadas ao consórcio Grande
Recife . Dentro das empresas, ainda foram coletadas informações sobre o
ambiente e a jornada de trabalho de 95 motoristas e 90 cobradores.
Um dos dados que chama mais a atenção se relaciona aos
níveis de ruído. Segundo a pesquisa, a exposição a decibéis (unidade usada para
medir a intensidade de um som) acima do limite permitido aumenta na proporção
em que se estendem as jornadas de trabalho. Com 8h de jornada, 21,05% dos
motoristas e 16,66% dos cobradores estão expostos a níveis de ruído superior ao
limite de tolerância de 85db (85 decibéis). Em jornadas que vão além das 16h,
já registradas em investigação do MPT, o número passa para 84,21% para
motoristas e 55,56% para cobradores. Os valores apontam que 81% das empresas
estão irregulares quanto aos níveis de ruído.
No quesito ergonômico, foram verificados que 12 empresas (ou
67% dos coletivos analisados) não possuíam assento com apoio para a cabeça dos
motoristas, e em 13 (72%) delas não havia espaço para mudança de postura dos
cobradores. Quando perguntados, 32% dos motoristas responderam sentir dor na
região lombar, 40% na panturrilha esquerda e 24 % no ombro direito, fruto,
segundo o estudo, de inadequações posturais dentro de postos de trabalho
precários.
A partir de questionário proposto aos trabalhadores, foi
possível saber o que os profissionais pensavam em relação às próprias jornadas
de trabalho e à segurança dentro dos coletivos. Segundo os dados, 68% dos
trabalhadores já sofreram um ou mais assaltos em serviço. À pergunta sobre a
sensação ao final de uma jornada de trabalho, 51% responderam estar mentalmente
cansados; fisicamente, 26% se disseram exaustos ao final do dia. Ainda de
acordo com os números da pesquisa, 72% dos motoristas e cobradores realizam
jornadas acima do permitido – 43% de 9 a 10h, 13% de 11 a 14h e 16% de mais de
14h. Apenas 19% cumprem jornada permitida, de 8h diárias. Os dados apontam que
84% das empresas extrapolam a carga horária regular.
Para Bakokembas, os números são alarmantes e precisam ser
levados em conta pelo Estado, pelas empresas e mesmo pelos trabalhadores. “São
pessoas que estão com o futuro condenado. Uma jornada de trabalho de 16h por
dia, todo dia? Isso traz consequências absurdas. A orientação e as mudanças são
imensamente necessárias”, disse durante a coletiva desta terça.
O procurador Leonardo Osório afirmou que o papel do MPT não
é de apenas punir ilegalidades já praticadas, mas de garantir, para o bem da
sociedade como um todo, que estas não sejam recorrentes. “Uma pergunta que me
faço muito é esta: e se um motorista desses, que constantemente extrapola a
jornada regular, um dia causar um acidente grave? De quem é a culpa? Ele é a
vítima ou é o réu?”, disse.
Ministério Público do Trabalho em Pernambuco
Assessoria de Comunicação
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